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IMPERMANÊNCIA

 

  Desenhar nuvens é mergulhar em algo etéreo, parte da natureza que nos remete ao espiritual. Mesmo vivendo em uma metrópole, as nuvens são elementos da natureza que estão sempre presentes, e por vezes chamam nosso olhar para o céu, com seu movimento vagaroso, formas hipnotizantes e cores luminosas. No entanto, podem deixar esse aspecto aconchegante e se transformar em nuvens negras, carregadas de raios, nos ameaçando com suas tempestades. O oceano possui o mesmo comportamento, suas águas podem ser calmas, mornas e transparentes, ou podem se enfurecer em ondas violentas e destruidoras. Para uma paisagem, pode-se acrescentar o elemento terra, que nos parece firme, mas é mera ilusão aos olhos humanos, pois nossa curta existência não permite notar as transformações causadas pela erosão, pelos movimentos tectônicos ou tantas outras variáveis. Em sua primeira individual na Central Galeria, em São Paulo, o artista Renato Leal apresenta desenhos sobre tela que fazem parte das séries Nuvens, Oceano e Paisagem.
  O artista traz para esta exposição as três formas da matéria: sólida, líquida e gasosa. Construindo o ar, a água ou a terra com a mesma partícula circular, evidencia que os fatores imponderáveis que determinam a forma das nuvens ou a configuração das ondas são semelhantes aos que determinam o aspecto da rocha mais sólida. Numa transformação silenciosa ou violenta, tudo está a um passo de se desmanchar para adquirir uma nova forma, pois vivemos em um fluído instável e transitório.
  O círculo é a forma bidimensional mais simples que existe, mas os que recobrem as telas de Leal são círculos geometricamente imperfeitos: são feitos com a mão humana e seus tremores, delineados com uma caneta nanquim cuja tinta varia de intensidade conforme acaba, enfim, círculos reais e não idealizados. Aceitando as debilidades e variações da matéria, o artista repete esta forma de maneira incansável até recobrir toda a superfície da tela. Variando o diâmetro deste círculo e sem utilizar o recurso de demarcar linhas contínuas, configuram-se áreas mais claras e mais escuras, que oferecem aos nossos olhos a percepção de uma imagem.
  No procedimento adotado para as obras desta exposição, o artista parte de imagens fotográficas como referência para a elaboração dos seus minuciosos desenhos que, como numa radiografia, propõe uma estrutura instável por dentro de uma aparente estabilidade, sugerindo do que aquele mundo é feito.  Não sabemos se, neste momento, o mundo está se formando ou acabando, pois neste fluído fértil, o fim de um mundo é o começo de outro, constituído em uma nova configuração. Destruição, criação, caos, ordem, gênese ou apocalipse, os opostos se identificam e tudo é relativo. Não apenas o mundo natural, mas também o mundo sócio-cultural, estão ambos destinados à impermanência, onde as coisas dependem de causas e condições que se alteram, como em um sistema complexo. O que está calmo e firme pode se desvanecer numa lentidão quase imperceptível ou se desestruturar violentamente.

    
Flávia Ferreira, 2013
Flávia Ferreira, 1980, é artista visual, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP e bacharel em Artes Plásticas pela ECA-USP.

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